terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Queda


A realidade cai,

às vezes curvilínea,

às vezes euclidianamente,

sobre os meus dias...

Que importa se o espaço é curvo ou plano?

Nem Newton, nem Einstein explicam a

RELATIVA

G

R

A

V

I

D

A

D

E

do meu coração...


Edwin Fernandes Xavier...

Caxias, 14 de dezembro de 2010.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Querência


Quero o cheiro de comida
das ruas humildes de Caxias;
o falar retorcido dos bêbados
dos butiquins do mercado central.

Quero as luzes foscas de suas praças,
becos e esquinas;
o riso escandaloso das meninas
da Diracir.

Quero rir
novamente dos apresentadores
de programas locais,
são hilários...

Quero seus bares
e até a irritação que me vem
com sua música ruim.

A indiferença e o julgamento
de suas mulheres;
o incômodo das repartições
que me lembram um livro do Kafka.

Quero ler pelo menos outra vez
os péssimos poemas de seus literatos.
(Não, isso já é querer demais)

Prefiro ser expulso novamente
da Academia Militar de Letras...

Ah, como quero Caxias,
com seus habitantes que recebem,
de quatro
em quatro anos,
asfalto para comer.

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 07 de outubro de 2010.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A mulher de preto

Toda tarde ela passa vestida
de preto.
Está sempre um calor desgraçado,
mas ela resiste, reluta
e insiste.

Ela passa, não, melhor,
trespassa a rua, a calçada
e minha mente.

Sorrateiramente ela passa de preto
e lágrima pintada
no rosto.

Toda tarde ela passa.
Não, melhor, transgride os carros,
os homens e a própria tarde.

Trazendo consigo um livro,
ela passa de preto
e tão perto
que deixa transparecer o seu título
envelhecido e opaco:
“As Impurezas do Branco”

A mulher de preto,
sorrindo discreta e obscuramente,
sabe que é o centro dos olhares
dos desbotados e de suas
insípidas mulheres.

De preto ela passa,
não passa, porém, sua imagem
que permanece eternizando-se
na ausência da cor.

Verdadeiro arco-íris às avessas,
de preto ela passa,
não, pior, ela fere os instintos
e cabeças
de seres distintos
e furta-cor.

Heroína com seu traje suga-fótons,
de preto ela passa,
atraindo os tentáculos dos olhos
que olham, mas não vêem.

E deixa incrustado,
no meu olhar alterado,
o seu corpo coberto
de preto...
de preto...
de preto...

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 07 de agosto de 2010

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Desvelo

O rato saiu sozinho
em busca do queijo
de cada dia.

O gato saiu sozinho
em busca do rato
de cada dia.

O trabalhador saiu sozinho
em busca do pão
de cada dia.

Aproveitando seus respectivos ensejos,
cada qual cumpria sua pesada lida.

O rato comeu o queijo.
O gato comeu o rato.
E o trabalhador,
se quiser comida,
vai ter que comer o gato...

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 21 de agosto de 2010.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O suicídio de um artista extemporâneo

“Cada suicida é um poema sublime
de melancolia”. Balzac

[...]

Abre a gaveta da escrivaninha,
Cisma, pondera e finalmente
Agarra a arma com punho fremente,
Ergue-a, olha e engatilha.

Por um instante ele hesitara,
Mas já com o cano frio na boca,
Ouvira uma voz maligna e rouca:
- Vamos, dispara!

Na parede o sangue e a massa encefálica
Formam então um quadro impressionista,
Última obra de um grande artista
Que sucumbira a uma crise melancólica.

Hoje os insensíveis ressaltam o seu declive,
Mas entre os artistas das gerações futuras
Um brado contínuo elevar-se-á às alturas:
- Vamos, revive!

[...]

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 23 de agosto de 2010.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Vozes

Quando leio um poema imagino a voz
do poeta que o compôs,
E ouço efetivamente sua voz.
Assim, tenho falando-me constantemente
aos ouvidos,

Drummond, Wasil, Rosemarie, Bandeira, Cecília,
Allan Poe, Daniel, Celso Mendes, Brida, Jéssica Aguiar,
Rimbaud, Zaqueu, Baudelaire, Carvalho Júnior, Decimar,
Ernesto {Augusto}, Florbela. Dhenova e Dinoélia...

Além de tantos outros queridos poetas e poetisas,
sussurrando no momento mesmo
da composição,

Seu conselho;
Sua revolta;
Sua interpelação;

A retórica pergunta dirigida a outrem
que tomo como que para mim:
“E agora [Edwin]?”

Sei que mais tarde, quando os reler,
eles lá estarão,
Recitando para mim, só para mim,
humilde leitor,
seus poemas eternos.

As vozes dos poetas não cessam de ecoar
jamais.
Elas tornam-se um zumbido infindável
como o bordão do corvo Nunca Mais
Ou o verme impregnando os tímpanos
e a consciência.
Um estampido de vontade e também
de potência.

Um riso inteligente disparando a esmo
suas agudas setas.
Meus amigos contemporâneos,
ouçam de bom grado
As vozes dos poetas!
“A mão que empunha a pena
equivale à que guia o arado.”

Ouvir poesia é o mais útil dos atos inúteis
que cometo diuturnamente.

Querem saber de outro?

Tentar tornar audíveis meus próprios poemas...

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 21 de Agosto de 2010.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A Cria

O poema,
produto do caso hipersensual entre o poeta
e a poesia,
objeto tão amado quanto um filho concebido,
dado à luz, criado, alimentado, vestido e educado
com as melhores palavras.

Que ofendam o poeta,
não seu poema, pois aquele
daria a vida por este último.

O poema,
nossa cria,
nossa vida,
nosso ethos,
reflexo e semelhança.

Nosso desejo de perpetuação!

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 03 de julho de 2010.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O poeta analfabeto

Ele sentia a poesia,
mas por falta de palavra escrita
perderam-se os versos,
por falta dos versos,
perderam-se os poemas,
por falta dos poemas,
faltou-lhe o devido reconhecimento.

O poeta analfabeto
falava de coisas tão bonitas
e repletas de poesia,
como em muitos poetas canônicos
jamais se leu.

Morreu no anonimato,
mas deixou em um menino
o gosto pelo sublime.

Esse poeta, oh Deus...,
é tão importante para mim
quanto Drummond ou Baudelaire.

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 15 de agosto de 2010.

domingo, 15 de agosto de 2010

Poemeto Torto

Torto é o mundo
Torta é a vida
Torta é a borda de
Minha ferida
Essa rima é torta
Como torta também é
A folha que lhe comporta
E a caneta que lhe produz
Além da mão que à caneta
conduz


Edwin Fernandes Xavier...

sábado, 14 de agosto de 2010

Sono

Meu sono
é tão raquítico quanto seu dono.
Dura poucas horas,
surge e logo vai embora.
Às vezes luto para mantê-lo,
mas impedem-me a insônia ou um pesadelo.
É uma inconstante e perigosa armadilha,
tanto que nem o diferencio do estado de vigília.
Meu sono é como a puta mais vadia,
eu nunca o encontro durante o dia.
É um interesseiro e inebriado amigo,
só com álcool quer estar comigo.


Edwin Fernandes Xavier...

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Grito

Ouvi um grito

Então comecei a rir

Quem gritava estava chorando

Então meu riso foi maior ainda

Eu mesmo gritava

E meu riso era uma

Alternância do meu choro

Edwin Fernandes Xavier...

Diabo

Oi, eu sou o diabo! Não acredita?
É isso que espero;
Que sempre faça o que quero.

Eu sou o diabo!
Seu melhor inimigo,
A voz do seu amigo.
Drogado, jogado, caído.

Eu sou o diabo!
Sua face no espelho,
Sua voz que não sai,
Sua mãe e seu pai.

Sou seu irmão e seu cão.
Estou em toda parte,
Na televisão, no cinema
E nas obras de arte.

Eu sou o grito de angústia
E seu medo escondido.
O padre rezando
E seu cantor preferido.

Eu sou o diabo!
Jogado, falido
O anjo caído
O diabo!

Eu sou você
Lançado no escuro.
Cansado e ferido
Em busca de abrigo.

Sou o ser e o não-ser,
O indizível e o que se pode dizer.
Você anda sozinho,
Mas eu sou o caminho.

Sou homem e sou deus,
Sou Hércules e Zeus.
A balança de Atena
E as correntes de Prometeu.

Sou os olhos de Édipo
E o dilema de Antígona.
A cegueira chegando
E Tirésias profetizando.

O pai e o filho,
A mãe e a irmã,
A louca e a sã.
O diabo!

Fausto e Werther,
Sábio e sofredor.
A ciência e a fé,
Sou a morte do amor.

Sou tudo que lhe assusta.
O Anticristo e Zaratustra.
Por mais que não acredite,
Eu sou o próprio Nietzsche.

Sou professor e ator,
O palco vazio e também a cena.
Sou os olhos que lêem
E a mão que escreveu este poema


Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, dezembro de 2003.

Disparidades

Às vezes você fica,
Às vezes você some,
Um dia você pede,
No outro passa fome.

Te dou o lenitivo
Que é toda a minha vida
E você nem lembra meu nome.

Então vá pra suas coisas de TV;
Amigas afetadas;
Bandas malfadadas
E seu mundinho de clichês

Que eu vou ficar aqui,
Ler meu Dostoievski
E depois tentar dormir.

Sei que falando assim, talvez
Você deseje até que eu morra,
Mas já lhe falei, mais de uma vez:

Quando eu morrer,
Comigo quero ter
Um livro do Kafka,
Um poema do Caeiro
E algo pra comer.

Quero levar também
A foice que a morte tem.
Assim afundarei a barca do Caronte,
Roubo-lhe as moedas e vou beber
Fogo às margens do Aqueronte.

Quero água desta vida,
Que é pra não beber do Lethé
E não ter esquecimento.

Pra quando eu voltar,
Ter este mesmo sentimento.
Que me atormenta tanto,
Mas de vez em quando até
Que trás contentamento.

Por que?
Ora, às vezes você fica...

Edwin Fernandes Xavier...

Das alturas clamo a ti, poesia.

Eu sou um flâneur de visões totalmente inadequadas,
À espera de uma mudança que finalmente me interesse,
Olhando obliquamente para deusas desengonçadas
Que vivem implorando por pelo menos uma prece.

Contemplo o fluir e o refluir de toda esta vida efêmera
E não encontro uma resposta que realmente satisfaça,
A gnose é uma mentira, a ciência é uma quimera,
Esvaecendo-se em meu cérebro como nuvens de fumaça.

Construo caminhos ininteligíveis aos desatentos,
Sublimando toda emoção que seja pura.
Expresso meu sentir num pensamento
Que me fere, mas ao mesmo tempo é o que me cura.

Encontro-me aqui, onde o ar é frio e rarefeito,
Digladiando com a incerteza existente em cada dia.
Respondo aos meus anseios mais insatisfeitos
Extraindo a concretude de um poema do abstrato da poesia.

Edwin Fernandes Xavier..
Caxias, 07 de outubro de 2009.

sábado, 24 de julho de 2010

Distâncias

A tua falta é em mim uma vontade crua,
deglutindo distâncias e regurgitando a esmo
como se eu não sentisse somente a tua,
mas sentisse a falta de mim mesmo.

A tua falta é uma presença em mim também,
é sentir um vazio que me preenche,
é a inspiração fugidia que contém
algo que quanto mais se tira, mais se enche.

A inversão contida em um só sentido,
desfazendo o nunca feito e refazendo o por fazer,
um não-te-ter-já-tendo-tido
e um já-ter-te-tido-e-não-te-ter.

A substantivação de uma saudade intensa
que trespassa meus poemas de dentro pra fora,
aglutina versos tensos em estrofes densas
e capta poesia na ausência das horas.

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 25 de janeiro de 2010

Transmigração

Arrasto pelas ruas esta estrutura
calcada em carbono,
Único bem que Deus ou o acaso
me concedeu
Para cumprir diariamente funções
não escolhidas.
Mais necessidade que qualquer
outra coisa.
Nada além de fragilidade, corpo
e consciência.

Um corte longilíneo , alguns minutos de sangue , e pronto :
Tudo
se
desfaz
Naqueles mesmos átomos que um dia
estiveram nos núcleos estelares
E quem sabe, também, na urina de uma
puta mexicana...

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 25 de fevereiro de 2010.

(In)decisão

O meu cabelo não se decide entre
o enrolado e o liso.
Minha estatura não se decide entre
alta e mediana.
Meu humor não se decide entre
o choro e o riso.
Minha mente não se decide entre
ser sã e ser insana.

Minha aflição não se decide entre
o pêndulo e o poço.
Meu temperamento não se decide entre
a calma e o alvoroço.
Minhas ações não se decidem entre
a contradição e a razão suficiente.
Minha vida não se decide entre
ela mesma e a morte.

Este poema não se decide entre
o palpável e a abstração.
As estrofes não se decidem entre
rimas intercaladas e a sobreposição.
Mas talvez tudo isso já seja decidir. Ou não...
Pois o próprio eu lírico não se decide agora, entre
o decidir e a indecisão.

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, julho de 2008.

Casualidade

Uma árvore,
Um banco,
Um cachorro sarnento,
Cigarros,
Motos rugindo,
Dois violões
E um menino sorrindo.

Tudo isso é “A”
E eu sou “B”.
Confirmando um princípio, nos encontramos de repente na dança
da casualidade entre o que vem e o que se encontra pela frente.

A árvore balança,
O banco range,
Late o cachorro,
Um cigarro então cai,
Passam as motos
E o menino se vai.

Vibram os violões
Num deles falta uma corda
Comigo tudo é caos
Descompasso entre o captar e a demanda
Entrego-me então à pungente vibração da música
dos dois ordinários que ali tocam sem sua banda.


Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 20 de janeiro de 2008.

Tardes

As tardes de minha infância estão sempre
reencontrando-me.
Aproximam-se sorrateiramente com
suas luzes moribundas
E seus perfumes de flores tristes.
Do tempo em que as flores eram eternas
curiosidades.

Não sei por que espécie de pressentimento
sinto que morrerei numa destas tardes
Assim, lenta e tristemente,
Ao encontro da noite sem fim...

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 29 de abril de 2010.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Overdose poética

Essa noite eu tive uma overdose de poesia
Fumei um Drummond
Cheirei Leminski
Dei um trago no Allan Poe
Quando já estava no chão
Injetei na veia cinco poemas do Rimbaud

No meio do caminho entre desmaiado
e desperto
Percebi iluminuras de Augusto ali
por perto

Foi então que vi um morcego e um corvo
brigando pra comer o bicho alfabeto


Edwin Fernandes Xavier...

Impressões de uma manhã no mercado

Ao professor Henrique; mecenas de artistas, poetas e bêbados.


Percebo certa tristeza pairando no ar,
Um desencanto latente nos olhares,
Lembranças flutuando nas mesas do bar
E a nostalgia que permeia alguns lugares.

Numa melancolia que não há quem console,
Com copo, caneta e papel em mãos,
Vivendo a desesperança de só mais um gole,
Fico sentado em “momenterna” contemplação.

Encontro-me com tudo o que fui e não mais sou.
Num torturante e retroativo sentimento
Recordo-me de alguns amigos que a morte ceifou,
Outros..., a mágoa, o ciúme e o ressentimento.

Sei que sou a pura e fatal conseqüência de mim mesmo,
Fruto desta minha forma de sentir quase tudo.
Alterando signos e sobrelevando minha dor ao extremo
Como se o “i” sempre iniciasse a palavra mundo.

Completamente submerso em estranho delírio
Penso naquilo que embora perto esteja bem longe...
No amor legítimo e no amor espúrio,
No futuro que ontem eu pensei que teria hoje.

Subitamente o teatro da vida me enlaça e atiça.
Capto a aura de uma obra de arte,
Porém minha exegese não lhe faz justiça,
Pois diante do todo, distorço-lhe as partes.

Num processo lento e perene
As verdureiras arrumam barracas.
O tempo então se espreme,
Formando pinturas densas e opacas.

Sinto o aroma, o aspecto e o gosto.
Batatas, pimentas, limões;
Chão sujo, cachorros, esgoto
E um velhinho com sua camisa sem botões.

Há mesas manchadas com sangue frio;
Peixes pendendo das mãos dos peixeiros;
Facas nervosas cortando horas a fio;
Cascas, cabeças e escamas rodopiando nos bueiros.

Duas mulheres bonitas e antipáticas,
Com trejeitos chatos e sorriso pobre,
Balançam suas bundas brancas e elásticas,
Desdenhando de tudo com olhar esnobe.

Vejo um deficiente com suas muletas;
Engraxate, sapatos, caixote;
Um mendigo curtindo a sarjeta
E um alcoólatra à beira da morte.

Jogadores compulsivos repetem movimentos infatigáveis,
Formando nuvens tóxicas com seus cigarros
E bajulando máquinas caça-níqueis estéreis e instáveis
Com suas luzes foscas e desenhos bizarros.

Deparo-me agora com as imagens que mais me comovem:
Uma menininha sorridente pedindo esmolas,
Um andarilho tristonho de aspecto bem jovem
E uma grávida ininterruptamente cheirando cola.

Num entrelaçar de gestos, pensamentos e expressões
Os passantes entreolham-se de soslaio.
Tudo se reúne num desconexo bloco de ações
Como numa peça desprovida de ensaio.

Os peixeiros conversam asneiras,
As mulheres se vão com sacolas pendentes,
O velhinho vende cordões, anéis e pulseiras
E o engraxate lustra os sapatos do deficiente.

As verdureiras falam sobre ervas e seus mistérios,
Repentinamente surgem melodias inexatas,
O alcoólatra e o mendigo balbuciam impropérios
Num frenesi característico dos apóstatas.

Os jogadores perdem seu dinheiro diante de uma platéia
Indiferente a quaisquer das possíveis conseqüências.
As máquinas caça-níqueis engolem onomatopéias
E os cigarros vomitam suas diversas substâncias.

A menininha recolhe os seus trocados,
A grávida perambula alucinada,
Os cachorros perseguem ossos por todos os lados
E o andarilho desaparece, seguindo sua jornada.

Ao redor tudo impressiona o meu olhar,
Neste local não há o que se disfarce,
O formato das bocas e nuances das formas de falar
Ou a compleição fatigada retida em cada face.

Ouço a voz de um homem de sorriso contrafeito,
O tilintar de moedas nos balcões.
A angústia mergulhada no meu peito
Uni-se à fumaça cancerígena injetada nos pulmões.

A fome surge esmagadora,
O estômago dói e me contorço.
Admiro ainda mais a missão exploratória
Dos ambulantes em sua batalha diária pelo almoço.

Um amigo abre mão de beber para que eu beba,
Em um gesto quase bom e semi-mau,
Insistindo para que eu receba
Aquele néctar inebriante e transversal.

Cai então o peso do álcool nos meus ombros,
O ambiente torna-se cada vez mais kafkiano,
Vejo criancinhas inocentes nos escombros
Tornando-se criaturas distorcidas de olhar profano.

Numa prosopopéia altamente alucinatória
Mesas e cadeiras dançam de um jeito jocoso,
As facas fitam-me de forma interrogatória
E as garrafas esfregam-se até chegarem ao gozo.

Cada elemento presente me enleva e impele
A uma amálgama de náusea, paixão, calor e afeto.
O ar quente e úmido envolvendo a pele,
As paredes estreitas, sombras e frestas de luz no teto.

Pensadores inconscientes e maltrapilhos;
Poetas que nunca foram laureados em academias;
O pobre burguês e o proletário sem filhos,
Acabam confluindo suas inumeráveis filosofias.

Metonimicamente o mundo inteiro está ali,
Cada ser representando um único e enorme “EU”,
Seguindo na condescendência coletiva de existir.
Quanto a mim..., tudo o que restou já se perdeu.

Com os efeitos de uma mente embriagada
Sou (álcool)poeticamente marcado
Pela poesia desentranhada
E esta sub-sóbria manhã no mercado.

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, setembro de 2008.

Negação da negação

Do muro fez-se a nação;
Da guerra fez-se o contato;
Do asco fez-se a visão
do sublime conhecimento.

Do instável fez-se o constante;
Da convivência fez-se a saudade;
Da efemeridade do instante,
a eterna proximidade.

Da vigília fez-se o sonhar;
Do nada, a existência;
Dos teus olhos negros fez-se um olhar
de suprema clarividência.

Da tua boca fez-se a negação,
contrária a si mesma enfim,
pois teus lábios diziam não,
mas tua mente dizia sim...

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 06 de julho de 2010.

Devaneio noturno

Numa noite repleta de imagens obscuras
O desejo de morrer vem lancinante.
Entre árvores secas, luzes baças e sepulturas
Vejo a barca atravessando um rio errante.

Ouço os silvos do remo do barqueiro,
Este fiel acólito dos infernos,
Figura mórbida de olhos sobranceiros
Que por uma esmola nos conduz ao mundo interno.

De tudo quanto nesta vida tenho perguntado,
Se ele me trouxesse uma resposta sequer,
Minha alma eu lhe entregaria de bom grado
E beberia depois toda a água do Lethé.

Pois contemplar por um instante uma verdade imortal,
Independendo da permanência da lembrança,
Me faria partícipe da grande consciência universal
E da felicidade que somente senti quando criança.


Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 16 de setembro de 2009.

Verme Suburbano

Na trilha de um verme
suburbano
Que ao cérebro prefere
os testículos,
Encontra-se a verdadeira
podridão.

A fálica putrefação
dos órgãos.
Uma mensagem oculta
nos membros
Que só à luz do verme
escapa da escuridão.

A vida que jorra do invólucro
escrotal
É o anúncio de que a morte
sempre chega,
Seja sublimemente ou da
forma mais banal.

O verme da morte nos acompanha
do fim ao começo.
Do corpo cadavérico decomposto
em pus,
Até o frescor do mais puro
líquido seminal.

Os espermatozóides que morrem
para que eu nasça
Transformam-se mais tarde,
como que por vingança,
Nos vermes que irão me decompor
no ambiente escuro e frio do meu caixão.

Pois o fruto vivo da fecundação
Torna-se homem depois volta ao pó.
Mostrando que a morte e a vida não se separam,
Mas encontram-se unidas na cadência louca de
um processo só.

Edwin Fernandes Xavier...