quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O suicídio de um artista extemporâneo

“Cada suicida é um poema sublime
de melancolia”. Balzac

[...]

Abre a gaveta da escrivaninha,
Cisma, pondera e finalmente
Agarra a arma com punho fremente,
Ergue-a, olha e engatilha.

Por um instante ele hesitara,
Mas já com o cano frio na boca,
Ouvira uma voz maligna e rouca:
- Vamos, dispara!

Na parede o sangue e a massa encefálica
Formam então um quadro impressionista,
Última obra de um grande artista
Que sucumbira a uma crise melancólica.

Hoje os insensíveis ressaltam o seu declive,
Mas entre os artistas das gerações futuras
Um brado contínuo elevar-se-á às alturas:
- Vamos, revive!

[...]

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 23 de agosto de 2010.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Vozes

Quando leio um poema imagino a voz
do poeta que o compôs,
E ouço efetivamente sua voz.
Assim, tenho falando-me constantemente
aos ouvidos,

Drummond, Wasil, Rosemarie, Bandeira, Cecília,
Allan Poe, Daniel, Celso Mendes, Brida, Jéssica Aguiar,
Rimbaud, Zaqueu, Baudelaire, Carvalho Júnior, Decimar,
Ernesto {Augusto}, Florbela. Dhenova e Dinoélia...

Além de tantos outros queridos poetas e poetisas,
sussurrando no momento mesmo
da composição,

Seu conselho;
Sua revolta;
Sua interpelação;

A retórica pergunta dirigida a outrem
que tomo como que para mim:
“E agora [Edwin]?”

Sei que mais tarde, quando os reler,
eles lá estarão,
Recitando para mim, só para mim,
humilde leitor,
seus poemas eternos.

As vozes dos poetas não cessam de ecoar
jamais.
Elas tornam-se um zumbido infindável
como o bordão do corvo Nunca Mais
Ou o verme impregnando os tímpanos
e a consciência.
Um estampido de vontade e também
de potência.

Um riso inteligente disparando a esmo
suas agudas setas.
Meus amigos contemporâneos,
ouçam de bom grado
As vozes dos poetas!
“A mão que empunha a pena
equivale à que guia o arado.”

Ouvir poesia é o mais útil dos atos inúteis
que cometo diuturnamente.

Querem saber de outro?

Tentar tornar audíveis meus próprios poemas...

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 21 de Agosto de 2010.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A Cria

O poema,
produto do caso hipersensual entre o poeta
e a poesia,
objeto tão amado quanto um filho concebido,
dado à luz, criado, alimentado, vestido e educado
com as melhores palavras.

Que ofendam o poeta,
não seu poema, pois aquele
daria a vida por este último.

O poema,
nossa cria,
nossa vida,
nosso ethos,
reflexo e semelhança.

Nosso desejo de perpetuação!

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 03 de julho de 2010.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O poeta analfabeto

Ele sentia a poesia,
mas por falta de palavra escrita
perderam-se os versos,
por falta dos versos,
perderam-se os poemas,
por falta dos poemas,
faltou-lhe o devido reconhecimento.

O poeta analfabeto
falava de coisas tão bonitas
e repletas de poesia,
como em muitos poetas canônicos
jamais se leu.

Morreu no anonimato,
mas deixou em um menino
o gosto pelo sublime.

Esse poeta, oh Deus...,
é tão importante para mim
quanto Drummond ou Baudelaire.

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 15 de agosto de 2010.

domingo, 15 de agosto de 2010

Poemeto Torto

Torto é o mundo
Torta é a vida
Torta é a borda de
Minha ferida
Essa rima é torta
Como torta também é
A folha que lhe comporta
E a caneta que lhe produz
Além da mão que à caneta
conduz


Edwin Fernandes Xavier...

sábado, 14 de agosto de 2010

Sono

Meu sono
é tão raquítico quanto seu dono.
Dura poucas horas,
surge e logo vai embora.
Às vezes luto para mantê-lo,
mas impedem-me a insônia ou um pesadelo.
É uma inconstante e perigosa armadilha,
tanto que nem o diferencio do estado de vigília.
Meu sono é como a puta mais vadia,
eu nunca o encontro durante o dia.
É um interesseiro e inebriado amigo,
só com álcool quer estar comigo.


Edwin Fernandes Xavier...

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Grito

Ouvi um grito

Então comecei a rir

Quem gritava estava chorando

Então meu riso foi maior ainda

Eu mesmo gritava

E meu riso era uma

Alternância do meu choro

Edwin Fernandes Xavier...

Diabo

Oi, eu sou o diabo! Não acredita?
É isso que espero;
Que sempre faça o que quero.

Eu sou o diabo!
Seu melhor inimigo,
A voz do seu amigo.
Drogado, jogado, caído.

Eu sou o diabo!
Sua face no espelho,
Sua voz que não sai,
Sua mãe e seu pai.

Sou seu irmão e seu cão.
Estou em toda parte,
Na televisão, no cinema
E nas obras de arte.

Eu sou o grito de angústia
E seu medo escondido.
O padre rezando
E seu cantor preferido.

Eu sou o diabo!
Jogado, falido
O anjo caído
O diabo!

Eu sou você
Lançado no escuro.
Cansado e ferido
Em busca de abrigo.

Sou o ser e o não-ser,
O indizível e o que se pode dizer.
Você anda sozinho,
Mas eu sou o caminho.

Sou homem e sou deus,
Sou Hércules e Zeus.
A balança de Atena
E as correntes de Prometeu.

Sou os olhos de Édipo
E o dilema de Antígona.
A cegueira chegando
E Tirésias profetizando.

O pai e o filho,
A mãe e a irmã,
A louca e a sã.
O diabo!

Fausto e Werther,
Sábio e sofredor.
A ciência e a fé,
Sou a morte do amor.

Sou tudo que lhe assusta.
O Anticristo e Zaratustra.
Por mais que não acredite,
Eu sou o próprio Nietzsche.

Sou professor e ator,
O palco vazio e também a cena.
Sou os olhos que lêem
E a mão que escreveu este poema


Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, dezembro de 2003.

Disparidades

Às vezes você fica,
Às vezes você some,
Um dia você pede,
No outro passa fome.

Te dou o lenitivo
Que é toda a minha vida
E você nem lembra meu nome.

Então vá pra suas coisas de TV;
Amigas afetadas;
Bandas malfadadas
E seu mundinho de clichês

Que eu vou ficar aqui,
Ler meu Dostoievski
E depois tentar dormir.

Sei que falando assim, talvez
Você deseje até que eu morra,
Mas já lhe falei, mais de uma vez:

Quando eu morrer,
Comigo quero ter
Um livro do Kafka,
Um poema do Caeiro
E algo pra comer.

Quero levar também
A foice que a morte tem.
Assim afundarei a barca do Caronte,
Roubo-lhe as moedas e vou beber
Fogo às margens do Aqueronte.

Quero água desta vida,
Que é pra não beber do Lethé
E não ter esquecimento.

Pra quando eu voltar,
Ter este mesmo sentimento.
Que me atormenta tanto,
Mas de vez em quando até
Que trás contentamento.

Por que?
Ora, às vezes você fica...

Edwin Fernandes Xavier...

Das alturas clamo a ti, poesia.

Eu sou um flâneur de visões totalmente inadequadas,
À espera de uma mudança que finalmente me interesse,
Olhando obliquamente para deusas desengonçadas
Que vivem implorando por pelo menos uma prece.

Contemplo o fluir e o refluir de toda esta vida efêmera
E não encontro uma resposta que realmente satisfaça,
A gnose é uma mentira, a ciência é uma quimera,
Esvaecendo-se em meu cérebro como nuvens de fumaça.

Construo caminhos ininteligíveis aos desatentos,
Sublimando toda emoção que seja pura.
Expresso meu sentir num pensamento
Que me fere, mas ao mesmo tempo é o que me cura.

Encontro-me aqui, onde o ar é frio e rarefeito,
Digladiando com a incerteza existente em cada dia.
Respondo aos meus anseios mais insatisfeitos
Extraindo a concretude de um poema do abstrato da poesia.

Edwin Fernandes Xavier..
Caxias, 07 de outubro de 2009.