sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Outros Delírios

Quero hoje
outra espécie de delírios.
Chega de vôos ancestrais
e viagens no espaço sideral.

Não quero imagens de estrelas,
vivas ou mortas.
Hecatombes de poetas vivos
no meu peito.

Quero a poesia do aqui;
do “amor à Terra” e das
pontes superáveis.

O delírio palpável das multidões reais
de pessoas falando, sentindo,
comendo,cuspindo
e embriagando-se com amor e arte.

Quero um delírio, hoje, de
coisas simples para fazer
e desfazer continuamente.

O delírio fácil do homem
de rua,
da lavadeira que enxerga, nas
roupas que lava,
o pão concretizando-se,

A transubstanciação
da água tornando-se vinho
e sangue nas minhas mãos.

Delírio de um sol de meio dia
rachando as cabeças
desprotegidas de trabalhadores
braçais.

Não quero, hoje,
a força imagética de semideuses
e nefilins,
todas as construções dos Salmos
e do Eclesiastes.

Quero as páginas indefinidas do livro
da vida
de cada um dos meus amigos.

Revogou-se meu salvo-conduto
para o absurdo,
nonsense é coisa passada,
ou futura,
hoje quero outra espécie de delírios!


Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 07 de janeiro de 2011.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Queda


A realidade cai,

às vezes curvilínea,

às vezes euclidianamente,

sobre os meus dias...

Que importa se o espaço é curvo ou plano?

Nem Newton, nem Einstein explicam a

RELATIVA

G

R

A

V

I

D

A

D

E

do meu coração...


Edwin Fernandes Xavier...

Caxias, 14 de dezembro de 2010.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Querência


Quero o cheiro de comida
das ruas humildes de Caxias;
o falar retorcido dos bêbados
dos butiquins do mercado central.

Quero as luzes foscas de suas praças,
becos e esquinas;
o riso escandaloso das meninas
da Diracir.

Quero rir
novamente dos apresentadores
de programas locais,
são hilários...

Quero seus bares
e até a irritação que me vem
com sua música ruim.

A indiferença e o julgamento
de suas mulheres;
o incômodo das repartições
que me lembram um livro do Kafka.

Quero ler pelo menos outra vez
os péssimos poemas de seus literatos.
(Não, isso já é querer demais)

Prefiro ser expulso novamente
da Academia Militar de Letras...

Ah, como quero Caxias,
com seus habitantes que recebem,
de quatro
em quatro anos,
asfalto para comer.

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 07 de outubro de 2010.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A mulher de preto

Toda tarde ela passa vestida
de preto.
Está sempre um calor desgraçado,
mas ela resiste, reluta
e insiste.

Ela passa, não, melhor,
trespassa a rua, a calçada
e minha mente.

Sorrateiramente ela passa de preto
e lágrima pintada
no rosto.

Toda tarde ela passa.
Não, melhor, transgride os carros,
os homens e a própria tarde.

Trazendo consigo um livro,
ela passa de preto
e tão perto
que deixa transparecer o seu título
envelhecido e opaco:
“As Impurezas do Branco”

A mulher de preto,
sorrindo discreta e obscuramente,
sabe que é o centro dos olhares
dos desbotados e de suas
insípidas mulheres.

De preto ela passa,
não passa, porém, sua imagem
que permanece eternizando-se
na ausência da cor.

Verdadeiro arco-íris às avessas,
de preto ela passa,
não, pior, ela fere os instintos
e cabeças
de seres distintos
e furta-cor.

Heroína com seu traje suga-fótons,
de preto ela passa,
atraindo os tentáculos dos olhos
que olham, mas não vêem.

E deixa incrustado,
no meu olhar alterado,
o seu corpo coberto
de preto...
de preto...
de preto...

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 07 de agosto de 2010

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Desvelo

O rato saiu sozinho
em busca do queijo
de cada dia.

O gato saiu sozinho
em busca do rato
de cada dia.

O trabalhador saiu sozinho
em busca do pão
de cada dia.

Aproveitando seus respectivos ensejos,
cada qual cumpria sua pesada lida.

O rato comeu o queijo.
O gato comeu o rato.
E o trabalhador,
se quiser comida,
vai ter que comer o gato...

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 21 de agosto de 2010.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O suicídio de um artista extemporâneo

“Cada suicida é um poema sublime
de melancolia”. Balzac

[...]

Abre a gaveta da escrivaninha,
Cisma, pondera e finalmente
Agarra a arma com punho fremente,
Ergue-a, olha e engatilha.

Por um instante ele hesitara,
Mas já com o cano frio na boca,
Ouvira uma voz maligna e rouca:
- Vamos, dispara!

Na parede o sangue e a massa encefálica
Formam então um quadro impressionista,
Última obra de um grande artista
Que sucumbira a uma crise melancólica.

Hoje os insensíveis ressaltam o seu declive,
Mas entre os artistas das gerações futuras
Um brado contínuo elevar-se-á às alturas:
- Vamos, revive!

[...]

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 23 de agosto de 2010.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Vozes

Quando leio um poema imagino a voz
do poeta que o compôs,
E ouço efetivamente sua voz.
Assim, tenho falando-me constantemente
aos ouvidos,

Drummond, Wasil, Rosemarie, Bandeira, Cecília,
Allan Poe, Daniel, Celso Mendes, Brida, Jéssica Aguiar,
Rimbaud, Zaqueu, Baudelaire, Carvalho Júnior, Decimar,
Ernesto {Augusto}, Florbela. Dhenova e Dinoélia...

Além de tantos outros queridos poetas e poetisas,
sussurrando no momento mesmo
da composição,

Seu conselho;
Sua revolta;
Sua interpelação;

A retórica pergunta dirigida a outrem
que tomo como que para mim:
“E agora [Edwin]?”

Sei que mais tarde, quando os reler,
eles lá estarão,
Recitando para mim, só para mim,
humilde leitor,
seus poemas eternos.

As vozes dos poetas não cessam de ecoar
jamais.
Elas tornam-se um zumbido infindável
como o bordão do corvo Nunca Mais
Ou o verme impregnando os tímpanos
e a consciência.
Um estampido de vontade e também
de potência.

Um riso inteligente disparando a esmo
suas agudas setas.
Meus amigos contemporâneos,
ouçam de bom grado
As vozes dos poetas!
“A mão que empunha a pena
equivale à que guia o arado.”

Ouvir poesia é o mais útil dos atos inúteis
que cometo diuturnamente.

Querem saber de outro?

Tentar tornar audíveis meus próprios poemas...

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 21 de Agosto de 2010.