sábado, 24 de julho de 2010

Distâncias

A tua falta é em mim uma vontade crua,
deglutindo distâncias e regurgitando a esmo
como se eu não sentisse somente a tua,
mas sentisse a falta de mim mesmo.

A tua falta é uma presença em mim também,
é sentir um vazio que me preenche,
é a inspiração fugidia que contém
algo que quanto mais se tira, mais se enche.

A inversão contida em um só sentido,
desfazendo o nunca feito e refazendo o por fazer,
um não-te-ter-já-tendo-tido
e um já-ter-te-tido-e-não-te-ter.

A substantivação de uma saudade intensa
que trespassa meus poemas de dentro pra fora,
aglutina versos tensos em estrofes densas
e capta poesia na ausência das horas.

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 25 de janeiro de 2010

Transmigração

Arrasto pelas ruas esta estrutura
calcada em carbono,
Único bem que Deus ou o acaso
me concedeu
Para cumprir diariamente funções
não escolhidas.
Mais necessidade que qualquer
outra coisa.
Nada além de fragilidade, corpo
e consciência.

Um corte longilíneo , alguns minutos de sangue , e pronto :
Tudo
se
desfaz
Naqueles mesmos átomos que um dia
estiveram nos núcleos estelares
E quem sabe, também, na urina de uma
puta mexicana...

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 25 de fevereiro de 2010.

(In)decisão

O meu cabelo não se decide entre
o enrolado e o liso.
Minha estatura não se decide entre
alta e mediana.
Meu humor não se decide entre
o choro e o riso.
Minha mente não se decide entre
ser sã e ser insana.

Minha aflição não se decide entre
o pêndulo e o poço.
Meu temperamento não se decide entre
a calma e o alvoroço.
Minhas ações não se decidem entre
a contradição e a razão suficiente.
Minha vida não se decide entre
ela mesma e a morte.

Este poema não se decide entre
o palpável e a abstração.
As estrofes não se decidem entre
rimas intercaladas e a sobreposição.
Mas talvez tudo isso já seja decidir. Ou não...
Pois o próprio eu lírico não se decide agora, entre
o decidir e a indecisão.

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, julho de 2008.

Casualidade

Uma árvore,
Um banco,
Um cachorro sarnento,
Cigarros,
Motos rugindo,
Dois violões
E um menino sorrindo.

Tudo isso é “A”
E eu sou “B”.
Confirmando um princípio, nos encontramos de repente na dança
da casualidade entre o que vem e o que se encontra pela frente.

A árvore balança,
O banco range,
Late o cachorro,
Um cigarro então cai,
Passam as motos
E o menino se vai.

Vibram os violões
Num deles falta uma corda
Comigo tudo é caos
Descompasso entre o captar e a demanda
Entrego-me então à pungente vibração da música
dos dois ordinários que ali tocam sem sua banda.


Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 20 de janeiro de 2008.

Tardes

As tardes de minha infância estão sempre
reencontrando-me.
Aproximam-se sorrateiramente com
suas luzes moribundas
E seus perfumes de flores tristes.
Do tempo em que as flores eram eternas
curiosidades.

Não sei por que espécie de pressentimento
sinto que morrerei numa destas tardes
Assim, lenta e tristemente,
Ao encontro da noite sem fim...

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 29 de abril de 2010.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Overdose poética

Essa noite eu tive uma overdose de poesia
Fumei um Drummond
Cheirei Leminski
Dei um trago no Allan Poe
Quando já estava no chão
Injetei na veia cinco poemas do Rimbaud

No meio do caminho entre desmaiado
e desperto
Percebi iluminuras de Augusto ali
por perto

Foi então que vi um morcego e um corvo
brigando pra comer o bicho alfabeto


Edwin Fernandes Xavier...

Impressões de uma manhã no mercado

Ao professor Henrique; mecenas de artistas, poetas e bêbados.


Percebo certa tristeza pairando no ar,
Um desencanto latente nos olhares,
Lembranças flutuando nas mesas do bar
E a nostalgia que permeia alguns lugares.

Numa melancolia que não há quem console,
Com copo, caneta e papel em mãos,
Vivendo a desesperança de só mais um gole,
Fico sentado em “momenterna” contemplação.

Encontro-me com tudo o que fui e não mais sou.
Num torturante e retroativo sentimento
Recordo-me de alguns amigos que a morte ceifou,
Outros..., a mágoa, o ciúme e o ressentimento.

Sei que sou a pura e fatal conseqüência de mim mesmo,
Fruto desta minha forma de sentir quase tudo.
Alterando signos e sobrelevando minha dor ao extremo
Como se o “i” sempre iniciasse a palavra mundo.

Completamente submerso em estranho delírio
Penso naquilo que embora perto esteja bem longe...
No amor legítimo e no amor espúrio,
No futuro que ontem eu pensei que teria hoje.

Subitamente o teatro da vida me enlaça e atiça.
Capto a aura de uma obra de arte,
Porém minha exegese não lhe faz justiça,
Pois diante do todo, distorço-lhe as partes.

Num processo lento e perene
As verdureiras arrumam barracas.
O tempo então se espreme,
Formando pinturas densas e opacas.

Sinto o aroma, o aspecto e o gosto.
Batatas, pimentas, limões;
Chão sujo, cachorros, esgoto
E um velhinho com sua camisa sem botões.

Há mesas manchadas com sangue frio;
Peixes pendendo das mãos dos peixeiros;
Facas nervosas cortando horas a fio;
Cascas, cabeças e escamas rodopiando nos bueiros.

Duas mulheres bonitas e antipáticas,
Com trejeitos chatos e sorriso pobre,
Balançam suas bundas brancas e elásticas,
Desdenhando de tudo com olhar esnobe.

Vejo um deficiente com suas muletas;
Engraxate, sapatos, caixote;
Um mendigo curtindo a sarjeta
E um alcoólatra à beira da morte.

Jogadores compulsivos repetem movimentos infatigáveis,
Formando nuvens tóxicas com seus cigarros
E bajulando máquinas caça-níqueis estéreis e instáveis
Com suas luzes foscas e desenhos bizarros.

Deparo-me agora com as imagens que mais me comovem:
Uma menininha sorridente pedindo esmolas,
Um andarilho tristonho de aspecto bem jovem
E uma grávida ininterruptamente cheirando cola.

Num entrelaçar de gestos, pensamentos e expressões
Os passantes entreolham-se de soslaio.
Tudo se reúne num desconexo bloco de ações
Como numa peça desprovida de ensaio.

Os peixeiros conversam asneiras,
As mulheres se vão com sacolas pendentes,
O velhinho vende cordões, anéis e pulseiras
E o engraxate lustra os sapatos do deficiente.

As verdureiras falam sobre ervas e seus mistérios,
Repentinamente surgem melodias inexatas,
O alcoólatra e o mendigo balbuciam impropérios
Num frenesi característico dos apóstatas.

Os jogadores perdem seu dinheiro diante de uma platéia
Indiferente a quaisquer das possíveis conseqüências.
As máquinas caça-níqueis engolem onomatopéias
E os cigarros vomitam suas diversas substâncias.

A menininha recolhe os seus trocados,
A grávida perambula alucinada,
Os cachorros perseguem ossos por todos os lados
E o andarilho desaparece, seguindo sua jornada.

Ao redor tudo impressiona o meu olhar,
Neste local não há o que se disfarce,
O formato das bocas e nuances das formas de falar
Ou a compleição fatigada retida em cada face.

Ouço a voz de um homem de sorriso contrafeito,
O tilintar de moedas nos balcões.
A angústia mergulhada no meu peito
Uni-se à fumaça cancerígena injetada nos pulmões.

A fome surge esmagadora,
O estômago dói e me contorço.
Admiro ainda mais a missão exploratória
Dos ambulantes em sua batalha diária pelo almoço.

Um amigo abre mão de beber para que eu beba,
Em um gesto quase bom e semi-mau,
Insistindo para que eu receba
Aquele néctar inebriante e transversal.

Cai então o peso do álcool nos meus ombros,
O ambiente torna-se cada vez mais kafkiano,
Vejo criancinhas inocentes nos escombros
Tornando-se criaturas distorcidas de olhar profano.

Numa prosopopéia altamente alucinatória
Mesas e cadeiras dançam de um jeito jocoso,
As facas fitam-me de forma interrogatória
E as garrafas esfregam-se até chegarem ao gozo.

Cada elemento presente me enleva e impele
A uma amálgama de náusea, paixão, calor e afeto.
O ar quente e úmido envolvendo a pele,
As paredes estreitas, sombras e frestas de luz no teto.

Pensadores inconscientes e maltrapilhos;
Poetas que nunca foram laureados em academias;
O pobre burguês e o proletário sem filhos,
Acabam confluindo suas inumeráveis filosofias.

Metonimicamente o mundo inteiro está ali,
Cada ser representando um único e enorme “EU”,
Seguindo na condescendência coletiva de existir.
Quanto a mim..., tudo o que restou já se perdeu.

Com os efeitos de uma mente embriagada
Sou (álcool)poeticamente marcado
Pela poesia desentranhada
E esta sub-sóbria manhã no mercado.

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, setembro de 2008.

Negação da negação

Do muro fez-se a nação;
Da guerra fez-se o contato;
Do asco fez-se a visão
do sublime conhecimento.

Do instável fez-se o constante;
Da convivência fez-se a saudade;
Da efemeridade do instante,
a eterna proximidade.

Da vigília fez-se o sonhar;
Do nada, a existência;
Dos teus olhos negros fez-se um olhar
de suprema clarividência.

Da tua boca fez-se a negação,
contrária a si mesma enfim,
pois teus lábios diziam não,
mas tua mente dizia sim...

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 06 de julho de 2010.

Devaneio noturno

Numa noite repleta de imagens obscuras
O desejo de morrer vem lancinante.
Entre árvores secas, luzes baças e sepulturas
Vejo a barca atravessando um rio errante.

Ouço os silvos do remo do barqueiro,
Este fiel acólito dos infernos,
Figura mórbida de olhos sobranceiros
Que por uma esmola nos conduz ao mundo interno.

De tudo quanto nesta vida tenho perguntado,
Se ele me trouxesse uma resposta sequer,
Minha alma eu lhe entregaria de bom grado
E beberia depois toda a água do Lethé.

Pois contemplar por um instante uma verdade imortal,
Independendo da permanência da lembrança,
Me faria partícipe da grande consciência universal
E da felicidade que somente senti quando criança.


Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 16 de setembro de 2009.

Verme Suburbano

Na trilha de um verme
suburbano
Que ao cérebro prefere
os testículos,
Encontra-se a verdadeira
podridão.

A fálica putrefação
dos órgãos.
Uma mensagem oculta
nos membros
Que só à luz do verme
escapa da escuridão.

A vida que jorra do invólucro
escrotal
É o anúncio de que a morte
sempre chega,
Seja sublimemente ou da
forma mais banal.

O verme da morte nos acompanha
do fim ao começo.
Do corpo cadavérico decomposto
em pus,
Até o frescor do mais puro
líquido seminal.

Os espermatozóides que morrem
para que eu nasça
Transformam-se mais tarde,
como que por vingança,
Nos vermes que irão me decompor
no ambiente escuro e frio do meu caixão.

Pois o fruto vivo da fecundação
Torna-se homem depois volta ao pó.
Mostrando que a morte e a vida não se separam,
Mas encontram-se unidas na cadência louca de
um processo só.

Edwin Fernandes Xavier...