terça-feira, 14 de setembro de 2010

A mulher de preto

Toda tarde ela passa vestida
de preto.
Está sempre um calor desgraçado,
mas ela resiste, reluta
e insiste.

Ela passa, não, melhor,
trespassa a rua, a calçada
e minha mente.

Sorrateiramente ela passa de preto
e lágrima pintada
no rosto.

Toda tarde ela passa.
Não, melhor, transgride os carros,
os homens e a própria tarde.

Trazendo consigo um livro,
ela passa de preto
e tão perto
que deixa transparecer o seu título
envelhecido e opaco:
“As Impurezas do Branco”

A mulher de preto,
sorrindo discreta e obscuramente,
sabe que é o centro dos olhares
dos desbotados e de suas
insípidas mulheres.

De preto ela passa,
não passa, porém, sua imagem
que permanece eternizando-se
na ausência da cor.

Verdadeiro arco-íris às avessas,
de preto ela passa,
não, pior, ela fere os instintos
e cabeças
de seres distintos
e furta-cor.

Heroína com seu traje suga-fótons,
de preto ela passa,
atraindo os tentáculos dos olhos
que olham, mas não vêem.

E deixa incrustado,
no meu olhar alterado,
o seu corpo coberto
de preto...
de preto...
de preto...

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 07 de agosto de 2010

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Desvelo

O rato saiu sozinho
em busca do queijo
de cada dia.

O gato saiu sozinho
em busca do rato
de cada dia.

O trabalhador saiu sozinho
em busca do pão
de cada dia.

Aproveitando seus respectivos ensejos,
cada qual cumpria sua pesada lida.

O rato comeu o queijo.
O gato comeu o rato.
E o trabalhador,
se quiser comida,
vai ter que comer o gato...

Edwin Fernandes Xavier...
Caxias, 21 de agosto de 2010.